Ameaças, venda de drogas e sexo à luz do dia: moradores denunciam formação de cracolândia em área pacata de Copacabana; vídeo

Situação no Bairro Peixoto foi motivo de reunião com a PM, que afirma estar tomando providências; além da violência, possível desvalorização dos imóveis preocupa.

São apenas 290 metros de distância entre o 19º Batalhão de Polícia Militar e a Praça Edmundo Bittencourt. Da Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade, na Rua Figueiredo de Magalhães 526, são 350 metros. No entanto, a curta distância não inibe a venda e o uso de crack na pracinha do Bairro Peixoto, em Copacabana. A denúncia é de moradores, que apontam o problema como o principal na região. 

https://oglobo.globo.com/rio/video/moradores-denunciam-formacao-de-cracolandia-em-area-pacata-de-copacabana-13323256.ghtml

Os relatos são vários e afirmam que os usuários estão morando na pracinha e nas ruas do entorno. Há brigas, confusões, moradores que já foram ameaçados e até mesmo a prática de relações sexuais em vias públicas.

Moradora do Bairro Peixoto há 11 anos, uma jornalista — que tem medo de se identificar — descreve cenas que se tornaram frequentes na região:

— Nunca vi a situação da forma que está hoje. Tem muito morador de rua, muita gente se drogando, vidros de carros são quebrados para furtos. Além disso, os usuários reviram o lixo e deixam toda a sujeira espalhada pelas ruas. Tem garrafas de vidro quebradas, cocô de gente no parquinho infantil. Eles tomam banho no chafariz da praça, dormem na porta dos prédios. As crianças que passam podem vê-los injetando drogas e até transando. É uma coisa horrorosa. Não sabemos mais o que fazer.

Proprietária de um imóvel e síndica de dois prédios na Rua Anita Garibaldi, outra moradora teme pela segurança e pela desvalorização dos imóveis.

— Não saio mais de casa depois que escurece. Tenho medo de ser abordada. Uma das usuárias já é conhecida e não é violenta, mas não sabemos sobre os outros. São muitos usuários de crack e de outras drogas. Às vezes, à noite, tem também um grupo que se reúne próximo à quadra de futebol e usa maconha. A impressão é que todas as drogas estão liberadas aqui. Estou pensando em vender meu apartamento, temo que o valor do imóvel vá diminuir. Enquanto isso, nosso IPTU permanece o mesmo — diz.

Em um grupo de moradores no WhatsApp, vídeos de câmeras de segurança dos prédios são compartilhados. Nas imagens é possível ver o uso de drogas durante o dia, furtos realizados nos prédios, pessoas pulando os muros para entrarem nos edifícios e realizarem furtos (os alvos são itens como placas com o número e o nome da construção, portas de alumínio, bicicletas e canos de gás), sujeira que os usuários deixam nas ruas e até moradores sendo ameaçados na porta de casa.

'Estamos apavorados'

-Síndico de um edifício e servidor federal, outro morador — que também pede que não seja identificado — conta que durante uma madrugada um morador do primeiro andar acordou com um homem pendurado na grade de sua janela tentando entrar na varanda do segundo andar, onde moram um casal e uma criança. Ele teria gritado, e o homem fugiu.

— Eram quase 6h quando isso aconteceu. Esse é o horário em que o fluxo de circulação deles fumando crack na rua é maior; parece que passam a madrugada usando. Diariamente, de manhã, quando os moradores saem para ir trabalhar, estudar e fazer suas atividades do dia, se deparam com essas cenas. Mas isso acontece o dia todo. O que chama mais a atenção é justamente o fato de fazerem tudo em plena luz do dia — detalha.

O Conselho Comunitário de Segurança de Copacabana está ciente do problema. Durante as reuniões, essa é a maior queixa dos moradores, conforme detalha Horário Magalhães, presidente da Sociedade Amigos de Copacabana:

— O assunto tem sido debatido nos encontros, e a Polícia Militar está ciente e buscando intensificar o policiamento na região. Mas há muito dificuldade dos policiais em conseguirem fazer flagrantes, e, quando eles conseguem, os usuários de drogas, que são pessoas em situação de rua, vão para a delegacia e são enquadrados como usuários, um crime de menor potencial ofensivo. Eles são liberados logo em seguida. A eficácia não é plena e não satisfaz os moradores. É um desafio para as forças de segurança e a assistência social.

Outro morador conta que o Bairro Peixoto era conhecido como o “oásis de Copacabana” por sua tranquilidade e clima bucólico. Um imóvel, que foi usado como a casa da personagem Nazaré Tedesco na novela “Senhora do destino”, da TV Globo, chegou a ser invadido e furtado por um usuário de drogas que ainda circula na região. O mesmo ocorre em outros edifícios.

— Eles se concentram principalmente nas ruas Maestro Francisco Braga e Décio Vilares (na frente do número 228). Não é raro as pessoas serem intimidadas e coagidas a qualquer hora do dia. Um menor de idade, conhecido como Cristiano, que tem aproximadamente 13 anos, é um dos usuários. Já informamos as autoridades sobre o caso dele e não conseguiram resolver. Quem vai nos ajudar? Não vemos nada efetivo acontecer. Estamos apavorados — diz, também pedindo anonimato.

PM afirma que intensificou ações

O medo não afeta apenas os moradores. Comerciantes do bairro contam que seus clientes também estão receosos de andar pelo Bairro Peixoto.

— Abrimos das 16h à meia-noite e presenciamos muitas cenas complicadas. Outro dia tinha um homem e uma mulher se batendo e se xingando na porta do meu estabelecimento. Não conseguimos intervir porque era muita confusão. Os clientes ficam com medo porque eles passam em bando. É uma situação triste — descreve Bianca Campos, dona de um negócio na Rua Anita Garibaldi.

Daniel Soranz, secretário municipal de Saúde, afirma que já está ciente da situação do Bairro Peixoto e explica que a pasta necessita da Polícia Militar para evitar esse tipo de situação.

— Há alguns anos foi mapeado o número de pontos de venda de crack na cidade, mas eles se multiplicam. Não existe cracolândia onde não tem um ponto de venda. O crack é uma das drogas que mais viciam. Apesar de ser uma droga barata, o tráfico ganha dinheiro fácil, pela quantidade. A polícia não faz uma repressão, e é possível ver de dia a venda de drogas e usuários utilizando-as. Temos um programa de tratamento para dependentes químicos e pessoas em situação de rua (Seguir Em Frente), mas é necessário que exista uma inteligência policial e um componente de segurança pública. Não adianta prender o pequeno traficante e não identificar a rota do tráfico e das pessoas que estão se beneficiando e ganhando dinheiro com isso. E essa prática é feita do lado do BPM e da delegacia. É algo para estranhar. Nós temos feito internações involuntárias quando os pacientes estão fora de si e representam um risco para a sua própria vida —diz o secretário.

Por meio de sua assessoria, a Polícia Militar informa que o comando do 19º BPM (Copacabana) intensificou o policiamento no local, assim como as abordagens e revistas, e que os envolvidos serão presos quando houver constatação de flagrante delito. Também diz que outra medida importante adotada pelo batalhão de Copacabana foi a integração do policiamento com as UPPs da área para combater esse tipo de situação nos locais específicos dos incidentes. Ressalta que, em muitos casos, esses delitos são praticados por cidadãos em situação de vulnerabilidade nas ruas, num cenário composto por demandas que requerem a atuação de outros entes do poder público, e que a Polícia Militar está sempre ao dispor para auxiliar de maneira conjunta. Reforça ainda a importância do acionamento de suas equipes diante de situações flagrantes via App 190 RJ e Central 190, assim como dos registros em delegacia, “que são de extrema importância para a condução dos procedimentos investigativos”.

Já a Secretaria municipal de Assistência Social, por meio da Coordenadoria-Geral de Programas para População em Situação de Rua, afirma que realizou 1.146 atendimentos em Copacabana, resultando em 960 encaminhamentos à rede socioassistencial e 88 acolhimentos. Informa ainda que o endereço mencionado na reportagem integra o roteiro de abordagem da Equipe Especializada 24h, em atendimento, inclusive, a demandas emergenciais e ouvidorias.

A Secretaria de Ordem Pública destaca que realiza diariamente ações de ordenamento, desobstrução de área pública e acolhimento às pessoas em situação de rua, em conjunto com a Assistência Social, especialmente em áreas com concentração de usuários de drogas, como o Bairro Peixoto.

PorMaírah Rubim— Rio de Janeiro

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