Oito templos são interditados em Salvador após desastre na ‘igreja do ouro’

Um dos mais importantes rituais do calendário religioso da Bahia acontece de 31 de dezembro a 1º de janeiro, dias em que a imagem do Senhor Bom Jesus dos Navegantes percorre as águas da baía de Todos-os-Santos, em uma procissão marítima entre barcos, lanchas e saveiros.

No restante do ano, a imagem peregrina é guardada na Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, templo barroco do século 18 fincado na região da Cidade Baixa, em Salvador.

A igreja foi interditada na última quarta-feira (12) após 21 anos de espera por uma reforma, que nunca aconteceu. Foi 1 dos 8 templos religiosos fechados na capital baiana desde o desabamento do teto da Igreja de São Francisco, que deixou uma pessoa morta e outras cinco feridas.

As interdições são resultado de uma força-tarefa que envolve o Iphan (Instituto do Patrimônio Artístico Nacional) e a Codesal (Defesa Civil de Salvador). Desde o desastre de 5 de fevereiro, foram vistoriados 106 imóveis com alto risco de desabamentos, incluindo casarões, museus, conventos, igrejas.

As vistorias identificaram a deterioração de estruturas de madeira das coberturas e assoalhos, oxidação de ferragens, desprendimento de reboco em paredes e lajes, infiltrações e rachaduras.

Ao todo, 14 igrejas foram vistoriadas e 8 interditadas: Igreja de São Miguel; Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem; Igreja Nossa Senhora da Ajuda; Igreja e Convento dos Perdões; Igreja de São Bento da Bahia; Igreja dos Quinze Mistérios; Igreja da Ordem Terceira do Carmo; e Convento Santa Clara do Desterro.

A Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem registra danos em sua estrutura desde 2004, quando após vistoria foi feita a contenção de quatro colunas com estruturas de aço. Desde então, foram feitas apenas reformas pontuais, com recursos da própria paróquia, para conter danos nos forros e nos telhados.

O complexo, que inclui uma igreja e um convento com arquitetura barroca, foi inaugurado em 1743 e tombado pelo Iphan em 1938. Foi construída por iniciativa de famílias católicas que eram proprietárias de embarcações e trabalhavam com navegação entre o Brasil e Portugal.

Além dos problemas na estrutura do imóvel da igreja e convento, o complexo também tem danos em seu mobiliário: quadros de arte sacra que estão oxidados e móveis de madeira, danificados por cupins.

“O valor histórico e artístico é imenso, é uma outra época que marcou a história do Brasil. Perder isso seria gritante”, afirma o padre Marcos Antônio Souza de Jesus, responsável pela paróquia.

As conversas com o Iphan para a restauração do templo foram iniciadas em 2004, logo após vistorias identificarem danos no local. O custo estimado da reforma da igreja e do convento é de R$ 6,5 milhões: “Não temos condições de custear uma obra deste porte”, afirma o pároco.

A paróquia sobrevive com doações de seus fiéis, que chegam a R$ 15 mil mensais. Os custos fixos são de R$ 18 mil, o que obriga a igreja a recorrer a eventos para não fechar as contas no vermelho.

Com a interdição da igreja, as missas devem acontecer em um centro comunitário que pertence à paróquia e já funcionou como escola.

Em nota, o Iphan disse que a força-tarefa para vistorias inclui 15 servidores órgão e que as ações de fiscalização foram intensificadas vistorias em todo o Centro Histórico de Salvador.

O mesmo grupo de trabalho também está dando suporte à instrução processual e seleção da empresa que realizará as obras emergenciais no teto da Igreja de São Francisco de Assis.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, foi procurada pela Folha nesta sexta-feira (14) em Salvador, mas sua equipe disse que, por se tratar de uma agenda artística, ela não responderia perguntas sobre ações do ministério.

A Defesa Civil disse que o Centro Histórico de Salvador abriga imóveis antigos que, ao longo dos anos, passaram por um acelerado processo de degradação por falta de manutenção por parte dos proprietários. Parte desses imóveis estão totalmente abandonados.

“Essas vistorias são feitas continuamente e visam mitigar o risco de desabamento e incêndio nos diversos imóveis localizados no Centro Histórico e seu entorno”, afirmou o diretor-geral da Codesal, Sosthenes Macêdo.

O Projeto Casarões atua de forma preventiva, por meio de vistorias periódicas. Desde sua implantação, foram vistoriados 2.969 casarões, dos quais 109 estão em risco muito alto e 342 em alto.

João Pedro Pitombo/Folhapress

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