PF suspeita que desembargador recebeu propina dentro do Tribunal de Justiça do Maranhão

A Polícia Federal suspeita que o desembargador Luiz Gonzaga Almeida Filho tenha recebido propina nas próprias dependências do Tribunal de Justiça do Maranhão. Ele foi indiciado no inquérito da Operação 18 Minutos, que investigou um milionário esquema de corrupção na Corte. Luiz Gonzaga está afastado do cargo.

A Operação 18 minutos foi conduzida pela Delegacia de Combate à Corrupção e Crimes Financeiros da PF no Maranhão. Os federais rotularam assim a investigação em razão da extraordinária rapidez – 18 minutos – com que um advogado sacou valores elevados após a liberação do dinheiro por magistrados sob suspeita.

O relatório final da investigação, de 174 páginas, foi enviado no dia 6 de fevereiro ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator é o ministro João Otávio de Noronha.

A PF atribui a quatro desembargadores e três juízes de primeiro grau maranhenses ligação com suposta venda de sentenças. Foram indiciados os desembargadores Nelma Celeste Souza Silva Sarney – cunhada do ex-presidente José Sarney -, Antonio Pacheco Guerreiro Júnior, Marcelino Everton Chaves e Luiz Gonzaga Almeida Filho, e os juízes Alice de Souza Rocha, Cristiano Simas de Souza e Sidney Cardoso Ramos.

Em agosto de 2024, policiais federais fizeram buscas em endereços dos magistrados. No gabinete do desembargador Luiz Gonzaga Almeida Filho foram apreendidos diversos envelopes bancários para depósitos em espécie no caixa eletrônico. Os investigadores suspeitam que os envelopes eram usados para escoar dinheiro de corrupção em operações fracionadas para não chamar a atenção dos órgãos de controle do sistema financeiro.

Além dos envelopes, foram encontrados comprovantes de pagamento de um apartamento na Ponta D’areia, um dos bairros mais valorizados de São Luís, “aparentemente em valor incompatível com os rendimentos do magistrado”, segundo a PF.

A Polícia Federal decidiu então analisar as movimentações financeiras do desembargador Luiz Gonzaga Almeida e encontrou um padrão suspeito. No período investigado, o magistrado recebeu R$ 2.312.162,63 em três modalidades: transações lotéricas e bancárias – ambas sem origem identificada – e depósitos feitos por ele próprio.

“Tais modalidades de transação, aliadas ao fato de terem sido encontrados e apreendidos, em seu gabinete, envelopes para depósito de dinheiro em espécie, pode indicar o recebimento de propina em espécie pelo desembargador Luiz Gonzaga nas dependências do Tribunal de Justiça do Maranhão”, afirma a Polícia Federal no relatório final da investigação.

Foram identificados ainda R$ 130 mil repassados ao desembargador por escritórios de advocacia.

A Polícia Federal também afirma ter encontrado “fortes indícios” de propina na compra de outros três apartamentos pelo magistrado, no Rio de Janeiro e em São Luís.

O imóvel no Rio custou R$ 850 mil, mas os investigadores só encontraram transferências de R$ 627 mil, o que leva a PF a acreditar que a diferença tenha saído de outra conta ou tenha sido quitada em espécie. Segundo os investigadores, “terceiros estariam favorecendo o investigado mediante o pagamento das parcelas do seu imóvel”.

O padrão se repete na compra de um segundo apartamento, no condomínio Brisas da Noite, em São Luís. O valor declarado do imóvel é de R$ 290 mil, mas só foram localizadas transferências de R$ 190 mil.

O desembargador declarou ainda a compra de um imóvel na planta por R$ 1,2 milhão. Apenas a entrada, de R$ 119 mil, saiu das contas do magistrado. Os boletos das parcelas mensais e semestrais não foram custeados com recursos oriundos das contas de Luiz Gonzaga, afirma a PF.

A Operação 18 Minutos se debruça sobre a expedição de alvarás judiciais que resultaram no levantamento de quase R$ 18 milhões do Banco do Nordeste para o pagamento de honorários advocatícios. Segundo a Polícia Federal, desembargadores, juízes e advogados montaram um esquema de fraudes para liberar os pagamentos e repartir o dinheiro.

Novas suspeitas sobre o desembargador surgiram a partir da quebra do seu sigilo de mensagem. A PF encontrou conversas com Felipe Antônio, filho do advogado Francisco Xavier, beneficiado pelas decisões que condenaram o Banco do Nordeste a pagar honorários milionários – o Estadão busca contato com Xavier. Os diálogos indicam uma relação próxima e abordam até encontros na casa do magistrado.

18 Minutos

A investigação foi iniciada a partir da análise do Relatório de Inteligência Financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) número 48.451. O documento apontou diversas “movimentações suspeitas” decorrentes de saque de alvará judicial no montante de R$ 14 milhões, expedido no bojo de um processo judicial “possivelmente fraudulento”, envolvendo o grupo de magistrados, em prejuízo do Banco do Nordeste.

Segundo o relatório final da Operação 18 minutos, “no decorrer das investigações, verificou-se que se trata de possível organização criminosa, composta por magistrados, advogados e terceiros, que supostamente utiliza-se de um ex-advogado do Banco do Nordeste para ingressar com ações judiciais contra a instituição financeira requerendo o pagamento, por vezes, indevido, de honorários advocatícios em valores milionários”.

A PF analisou os processos. “Vislumbram-se inúmeras fraudes processuais, a exemplo da manipulação na distribuição do feito, cálculos de correção monetária injustificados ou inexistentes, celeridade seletiva, culminando na expedição de alvarás milionários e a consequente movimentação financeira atípica”.

Ainda de acordo com a PF, além do processo judicial que resultou na expedição do alvará de R$ 14 milhões, no dia 5 de outubro de 2015, estavam em curso outros processos envolvendo as mesmas partes e com requerimento de novos pagamentos de honorários advocatícios. O cruzamento de dados levou os federais a identificarem um outro processo em que foi expedido alvará no valor de R$ 3,43 milhões no dia 17 de março de 2023. Neste caso, a decisão judicial foi publicada às 10h18, o alvará assinado às 11h24 e o ex-advogado do BNB e autor da ação “adentrou à agência bancária para realizar o saque às 11h42 do mesmo dia, totalizando 18 minutos entre a assinatura do alvará e o ingresso na agência bancária para a realização do seu saque”.

O caso subiu para a competência do Superior Tribunal de Justiça por causa do envolvimento de desembargadores. O ministro João Otávio de Noronha autorizou buscas em endereços dos investigados.

A partir da análise do material apreendido durante cumprimento de mandados de busca e apreensão, a PF encontrou novos processos judiciais semelhantes aos outros já sob perícia, “com identidade das partes e com condenação do Banco do Nordeste, mais uma vez, ao pagamento de novos honorários advocatícios em favor de Francisco Xavier”.

Em um processo foi expedido alvará no valor de R$ 2,82 milhões no dia 15 de fevereiro de 2024 e em outro alvará de R$ 3,1 milhões no dia 2 de maio do mesmo ano.

Rayssa Motta e Fausto Macedo/Estadão

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