Trump cria força-tarefa para combater preconceito anticristão nos EUA e anuncia 'escritório da fé' na Casa Branca

Medidas anunciadas na quinta-feira pelo presidente foram motivo de crítica de entidades que defendem a separação entre o Estado e a Igreja

O presidente dos EUA, Donald Trump, discursa no Café da Manhã Nacional de Oração no Capitólio, em Washington
O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a criação de um "escritório da fé" na Casa Branca e o lançamento de uma força-tarefa com o objetivo de proteger cristãos americanos do que classificou como "preconceito" e "aparelhamento anticristão" das instituições de Estado durante a gestão do ex-presidente Joe Biden. A força-tarefa foi estabelecida pelo presidente por meio de decreto, instrumento a que vem recorrendo diariamente para avançar sua agenda de forma unilateral, sem submeter à aprovação do Congresso. 

Trump anunciou que adotaria as medidas durante discurso no Café da Manhã Nacional de Oração, um evento anual que acontece no Capitólio, em Washington.

— Se não tivermos liberdade religiosa, então não temos um país livre. Provavelmente nem temos um país — disse Trump. — Enquanto eu estiver na Casa Branca, protegeremos os cristãos em nossas escolas, em nossas forças armadas, em nosso governo, em nossos locais de trabalho, hospitais e em nossas praças públicas, e uniremos nossos países novamente como uma nação sob Deus, com liberdade e justiça para todos.

Segundo o decreto assinado na quinta-feira, a força-tarefa será composta por integrantes de 17 departamentos e agências com duração de ao menos dois anos, nos quais deverá revisar as atividades de todos os departamentos do Executivo e agências, a fim de "identificar políticas, práticas ou condutas anticristãs ilegais", e recomendar medidas para revogar ou encerrar cada uma delas. Ela será comandada pela secretária da Justiça, Pam Bondi. 

 Já o "escritório da fé", oficializado em um decreto à parte, nesta sexta-feira, terá como função "capacitar entidades religiosas, organizações comunitárias e locais de culto para melhor servir famílias e comunidades", além de consultar especialistas religiosos para que as políticas públicas "se alinhem melhor aos valores americanos". O novo órgão será entregue à reverenda televangelista Paula White, cuja interpretação populista do Evangelho causou divisões entre os cristãos.

"Há poucos minutos, o presidente Trump assinou uma ordem executiva histórica sobre o Escritório da Fé da Casa Branca", escreveu White na rede social X, na tarde de sexta-feira. "Orações estão sendo respondidas e Deus está agindo na América. Suas orações são importantes, mas devemos permanecer em oração! Ore por nossa nação, nosso presidente, pelo o Escritório da Fé da Casa Branca e crentes em todos os lugares."

White trabalhou na primeira campanha do republicano, em 2016, e ocupou um cargo na Casa Branca após a vitória nas urnas — em 2020, em meio aos protestos contra o racismo estrutural, equiparou o movimento Vidas Negras Importam e a associação racista Klu Klux Klan, afirmando que eram a representação "do anticristo" e "organizações terroristas". No mesmo ano, disse ter orado para que todas as mulheres "com gestações satânicas" perdessem seus bebês. 

 Aparelhamento anticristão'

O decreto de quinta-feira justifica a criação da força-tarefa a partir de normas legais que garantem a liberdade religiosa — embora preveja um tratamento específico aos cristãos. O documento afirma que o governo de seu antecessor, o democrata Joe Biden, adotou "um padrão flagrante de perseguir cristãos pacíficos, ignorando ao mesmo tempo as ofensas violentas e anticristãs". 

 "É a política dos Estados Unidos, e o propósito desta ordem, proteger as liberdades religiosas dos americanos e acabar com o aparelhamento anticristão do governo", diz o texto do decreto. 

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump
Entre as condutas atribuídas à gestão Biden de suposto uso da estrutura do governo para atacar os cristãos, o decreto menciona a atuação do Departamento de Justiça para acusar e condenar "quase 12 cristãos pró-vida pacíficos por orarem e se manifestarem do lado de fora de clínicas de aborto", uma suposta inoperância do mesmo departamento para responder a casos de "violência, roubo e incêndio criminoso" contra igrejas católicas e instituições de caridade pró-vida.

Ele cita medidas de apoio à diversidade e no ambiente educacional, que, segundo o texto, forçaram "cristãos a afirmar a ideologia transgênero radical contra sua fé".

"Minha administração não tolerará a armamentização anticristã do Estado ou conduta ilegal visando cristãos. A lei protege a liberdade dos americanos e grupos de americanos de praticar sua fé em paz, e minha Administração aplicará a lei e protegerá essas liberdades", diz o texto do decreto. "Minha administração garantirá que qualquer conduta, política ou prática ilegal e imprópria que tenha como alvo cristãos seja identificada, encerrada e retificada."

O anúncio da força-tarefa e do "escritório da fé" foi mais um passo na adoção de uma ampla agenda conservadora, focada em argumentos religiosos (cristãos), ligada aos grupos que o ajudaram a retornar para a Casa Branca, e que já produz efeitos práticos não apenas na vida dos americanos. No dia 24 de janeiro, ele assinou uma ordem executiva para recolocar os EUA em dois pactos globais contra o aborto, e vetou o uso de verbas federais para financiar organizações, em outros países, que promovam ou forneçam serviços para a interrupção de gestações. 

O presidente ainda estabeleceu as pessoas transgênero como alvos prioritários. Em seu discurso de posse, disse que haveria apenas "dois gêneros" nos EUA, e assinou decretos barrando pessoas transgênero de funções nas Forças Armadas, vetando o tratamento de afirmação de gênero para menores de 19 anos e, mais recentemente, banindo mulheres transgênero de competições esportivas.

— [As pessoas] não podem ser felizes sem religião, sem uma crença. Vamos trazer a religião de volta. Vamos trazer Deus de volta para nossas vidas — disse Trump na quinta-feira, durante o Café da Manhã de Oração no Capitólio.

Críticos do decreto disseram que a força-tarefa viraria de cabeça para baixo o entendimento tradicional da nação sobre liberdade religiosa, estabelecido pela Primeira Emenda e reforçado por décadas de leis e decisões da Suprema Corte, ao destacar uma religião específica.

"Em vez de proteger as crenças religiosas, esta força-tarefa usará indevidamente a liberdade religiosa para justificar intolerância, discriminação e a subversão de nossas leis de direitos civis", disse Rachel Laser, presidente da organização Americanos Unidos pela Separação entre Igreja e Estado, em uma declaração. "Se Trump realmente se importasse com a liberdade religiosa e o fim da perseguição religiosa, ele estaria abordando o antissemitismo em seu círculo interno, a intolerância antimuçulmana, os crimes de ódio contra pessoas de cor e outras minorias religiosas". 

 Muitos veem a influência explícita do chamado Projeto 2025, um plano de governo de extrema direita do qual Trump tentou se afastar na campanha, mas cujos preceitos está adotando quase que na íntegra: o texto era claro ao atacar os direitos de mulheres, da população LGBT+ e de não cristãos ao defender a supremacia do "cristianismo nacionalista" na vida política dos EUA. 

 Por: O GLOBO, com agências internacionais — Washington

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