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Foto: Reprodução/Instagram |
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez uma deferência rara a Vladimir Putin nesta sexta-feira (15), recebendo o colega russo na pista da base aérea de Anchorage, no Alasca. Mas o fez a seu estilo, ostentando poderio militar americano.
Foi estendido um tapete vermelho a Putin, mas com um toque nada sutil de assertividade: quatro supercaças furtivos ao radar F-22 flanqueando o caminho do russo até um pequeno palco com a inscrição Alasca 2025. Um bombardeiro “invisível” B-2, modelo usado contra o aliado russo Irã em junho, fez um sobrevoo quando os presidentes se encontraram.
Os líderes participam da primeira cúpula do gênero desde 2021 com o foco na tentativa do republicano de obter uma trégua na Guerra da Ucrânia. Putin não visitava os EUA desde 2015, e nenhum líder de seu país esteve no Alasca, território vendido pela Rússia imperial aos americanos em 1867.
Para Putin, visivelmente satisfeito, mas reparando a demonstração militar, foi um momento único: desde que invadiu o vizinho em 2022, o presidente tornou-se um pária na maior parte do Ocidente. Trump, ainda que os EUA não reconheçam a corte internacional que pede a pisão do russo, simbolicamente o reabilitou como um igual.
Não que as mesuras tornarão o encontro, previsto para durar algo entre cinco e sete horas, fácil. Disse antes da reunião que caberá à Ucrânia decidir que território irá negociar para chegar a uma paz com a Rússia.
Além disso, sugeriu que irá voltar para casa “bem rápido” se não lograr obter um cessar-fogo do russo. “Não ficarei feliz se não for hoje”, disse a bordo do Air Force One, o avião presidencial que o levou de Washington a Anchorage. Putin, por sua vez, voou de uma escala em Magadan, no Extremo Oriente russo.
Trump pousou às 10h21 (15h21 em Brasília), enquanto Putin, que havia despachado um avião o precedendo para disfarçar, chegou às 10h52. O americano preparou o evento para se destacar: o Air Force One ficou enquadrado ao fundo do palco, enquanto o Iliúchin-96 do russo estacionou na perpendicular, obrigando o deslocamento do seu dono rumo ao republicano.
Ambos desceram ao mesmo tempo e, às 11h10, se cumprimentaram e trocaram palavras com sorrisos. Trump aplaudiu Putin. Andando rumo às respectivas limusines, que foram enviadas previamente a Anchorage, o russo se surpreendeu com o B-2 voando baixo, escoltado por quatro caças de quinta geração F-35.
Houve outra diatribe militar de Trump. A base também recebera na véspera dois bombardeiros furtivos B-2, mesmo modelo que participou do ataque ao aliado de Putin Irã em junho. Não é possível saber se ele estavam visíveis na pista quando o russo chegou.
Com a fala antes do encontro, o americano novamente tentar afastar de si a acusação de que irá definir o destino da Ucrânia a sós com Putin, sem a presença do presidente Volodimir Zelenski ou seus interessados aliados europeus, que temem que o apetite territorial do russo não se restrinja ao vizinho.
Assim, ele temperou sua retórica de que trocas territoriais serão necessárias para acabar com a guerra, algo visto como inevitável mas que não afeta em tese Putin, que deverá oferecer apenas áreas ocupadas no país vizinho que não estão na sua lista de demandas.
“Elas [as trocas] serão discutidas, mas eu tenho deixar a Ucrânia tomar a decisão. Mas eu não estou aqui para negociar pela Ucrânia, estou aqui para colocá-los [Putin e Zelenski] à mesa”, afirmou o americano, que quer uma reunião subsequente entre ele e os líderes rivais.
Zelenski também moderou suas críticas nesta sexta. Exasperado por ser excluído da cúpula, passou a semana advertindo Trump de que ele poderia ser enganado por Putin. Nesta sexta, disse que a cúpula pode abrir “o caminho para uma paz justa” e as conversas tripartites.
“É hora de acabar a guerra, e os passos necessários têm de ser tomados pela Rússia. Estamos contando com os EUA”, escreveu no Telegram. O americano, por sua vez, voltou a ameaçar “consequências severas” se Putin não quiser a paz, presumivelmente sanções que afetem seus parceiros externos, como China, Índia e Brasil.
Em um sinal contraditório, o americano conversou pela primeira vez no mandato, antes de voar, com o ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko. Em postagem, disse que o político, pária na Europa e vassalo de Putin, é um “respeitado presidente” com quem quer se encontrar.
Trump também afirmou que a posição militar favorável de Putin no campo de batalha, onde trabalha uma nova ofensiva que pegou os ucranianos de surpresa em Donetsk (leste), faz o russo achar incorretamente que está com a vantagem para negociar.
“Eu acho que eles estão tentando negociar [com a ofensiva]. Ele está tentando montar o palco. Na sua mente, isso o ajuda a fazer um acordo melhor. Na verdade isso o prejudica, mas em sua cabeça ele conseguirá um acordo melhor se continuar a matança”, afirmou.
Ao mesmo tempo, voltou a elogiar o russo. “Ele é um cara esperto, que vem fazendo isso há muito tempo. Então nós nos damos, há um bom nível de respeito de ambos os lados, sabe, algo virá disso”, afirmou.
Desde que Trump anunciou a cúpula no Alasca, há uma semana, houve uma retração relativa nos ataques aéreos contra cidades ucranianas, apesar dos avanços em solo de Putin.
Nesta sexta, houve atividade maior por parte de Kiev, que atingiu diversas regiões russas, matando 4 pessoas e ferindo 52 com ataques de drones. Ao menos uma refinaria pegou fogo, no sul do país.
Já na Ucrânia, além da ofensiva em Donetsk, ataques com drones e artilharia mataram ao menos sete pessoas em diversas regiões. Não houve, contudo, as temidas grandes salvas de mísseis balísticos, motivo de diversos alarmes aéreos em Kiev e outras cidades grandes ao longo do dia.
A cúpula está marcada para começar às 11h30 locais (16h30 de Brasília) em uma base militar em Anchorage, cidade que teve sua rotina mudada pelo encontro de última hora.
Houve uma mudança de última hora, que sugere temor de Trump de ser engambelado por Putin: o americano anunciou que irá fazer o primeio encontro com o russo, que seria só com intérpretes, ao lado do secretário Marco Rubio (Estado) e do negociador Steve Witkoff.
Depois haverá uma reunião expandida com suas delegações, um café da manhã e uma entrevista coletiva —que pode ou não ser conjunta, segundo a Casa Branca.
Em 2018, na única cúpula dos seis encontros que ambos tiveram no primeiro mandato de Trump, a entrevista conjunta foi considerada desastrosa para o americano, que disse que Putin era mais confiável que seus serviços de inteligência porque havia negado interferência na eleição de 2016.
Do lado russo, estarão presentes os ministros Serguei Lavrov (Relações Exteriores), Andrei Belousov (Defesa) e Anton Siluanov (Finanças), além do czar de investimentos Kirill Dmitriev e do assessor internacional Iuri Uchakov.
Trump terá consigo os secretários Rubio, Pete Hegseth (Defesa), Scott Bessent (Tesouro) e Howard Lutnick (Comécio), além de Witkoff e do diretor da CIA, John Ratcliff. Ainda haverá outros assessores e parlamentares.
A presença de nomes da área econômica de ambos os lados enfatiza o desejo de Putin de negociar não só Ucrânia, mas também a retomada das relações com os EUA. Trump elogiou isso. Já Dmitriev brincou com o tamanho da comitiva americana: “Emboscada. Estamos em menor número”, escreveu no X, adicionando um emoji sorridente.
Igor Gielow/Folhapress