Auxílio Brasil e Vale-gás de dezembro começam a ser pagos

Nesta segunda (12) começam a ser pagos o Auxílio Brasil e Vale-Gás de dezembro. Em função do Natal, neste mês as parcelas começarão a ser depositadas mais cedo e o pagamento será finalizado no dia 23.

Segundo dados do Ministério da Cidadania, o número de famílias contempladas com o Auxílio Brasil neste mês aumentou em 67 mil em relação a novembro, chegando à marca de 21,6 milhões de beneficiários. O número de contemplados pelo Vale-Gás, entretanto, diminuiu de 5,98 milhões em outubro para 5,95 milhões em dezembro.

QUEM TEM DIREITO?
Têm direito a receber o Auxílio Brasil famílias em situação de extrema pobreza, ou seja, que possuem renda familiar mensal per capita de até R$ 105, ou famílias em situação de pobreza, que possuem renda familiar mensal per capita entre R$ 105 e R$ 210.

O Vale-Gás, que existe desde dezembro de 2021, pode ser pago a famílias com renda familiar per capita menor ou igual a meio salário mínimo (R$ 606 neste ano). O valor recebido pelo Auxílio Brasil não é considerado no cálculo.

Para receber, os beneficiários precisam estar com o cadastro atualizado no CadÚnico (Cadastro Único do governo federal).

QUE VALOR SERÁ PAGO?
O valor médio pago às famílias beneficiárias do Auxílio Brasil é R$ 607. O total investido pelo governo neste programa de transferência de renda chega a R$ 13 bilhões. O valor original é R$ 400, mas desde agosto, numa medida eleitoral, essas famílias recebem um complemento de R$ 200

Neste mês, entretanto, o valor do auxílio pode ser menor para aqueles que fizeram o empréstimo consignado: o desconto pode chegar a R$ 240.

O Vale-Gás será de R$ 112. O valor do benefício é definido de acordo com a média do preço do botijão de 13 kg nos seis meses anteriores. O levantamento é feito pela ANP (Agência Nacional de Gás, Petróleo e Biocombustíveis).

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FUTURO DO BENEFÍCIO
Apesar do número recorde de beneficiários do Auxílio Brasil em dezembro, nos grupos de Facebook há relatos de problemas e insegurança em relação ao futuro do programa. Muitas famílias que atualizaram seus cadastros no Cras (Centros de Referência de Assistência Social) tiveram o benefício bloqueado para reanálise e não sabem quando voltarão a receber. Eles comentam sobre o medo de ter a renda cortada.

Na última quarta (7), o plenário da Senado aprovou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, considerada essencial pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para garantir a manutenção do valor de R$ 600 para os beneficiários do Auxílio Brasil. A proposta foi aprovada com um placar de 64 a 13.

Luiz Paulo Souza/Folhapress

INSS começa a pagar aposentadorias com reajuste em 25 de janeiro

O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) fará o primeiro pagamento de benefícios com reajuste anual em 2023 entre os dias 25 de janeiro e 7 de fevereiro. As datas foram definidas no novo calendário de pagamentos para 2023 divulgado nesta quinta (8), que vale para 37 milhões de beneficiários do órgão no país.

Aposentadorias, pensões e auxílios equivalentes ao salário mínimo serão pagos já com o valor do novo piso nacional entre os dias 25 de janeiro e 7 de fevereiro, informou o INSS. Os segurados com renda mensal acima do piso nacional terão seus pagamentos creditados a partir de 1º de fevereiro com o reajuste da inflação acumulada em 2022.

Os dias exatos do primeiro depósito com reajuste anual, referente à competência de janeiro, variam conforme o final do benefício, sem o dígito que aparece depois do traço. O segurado deve verificar o número do benefício (NB), que tem dez dígitos e aparece no seguinte formato: 999.999.999-9. É preciso considerar o penúltimo algarismo. Segundo o INSS, para aqueles que recebem seu benefício há algum tempo, vale a data habitual.

COMO FUNCIONAM OS REAJUSTES
Para beneficiários que recebem mais do que o salário mínimo (R$ 1.212, em 2022), o governo aplica o reajuste da inflação registrada no ano anterior, medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), usado para corrigir benefícios previdenciários e salários.

O índice final de reajuste que será aplicado para esses beneficiários sairá no dia 10 de janeiro de 2023, quando o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgará o resultado da inflação acumulada de janeiro a dezembro de 2022.

O INPC, que mede a inflação das famílias com renda entre um e cinco salários mínimos, acumula alta de 5,21% de janeiro a novembro deste ano. O resultado da inflação acumulada até novembro de 2022 foi divulgado nesta sexta (9).

O governo federal estimou um reajuste de 6% nas aposentadorias do INSS acima do piso na última previsão para a inflação de 2022 divulgada no dia 17, no Boletim Macrofiscal de novembro. O índice é menor do que os 6,54% previstos na projeção de setembro. Se considerada a previsão de 6%, o teto do INSS, que é o valor máximo pago em aposentadorias, chegaria a R$ 7.512,45 em 2023.

O índice de reajuste anual também altera a tabela de contribuições à Previdência usada para definir o valor dos descontos nos salários dos trabalhadores.

SALÁRIO MÍNIMO DE 2023
Já para benefícios iguais ao salário mínimo, valerá o valor que for definido pelo governo federal para o piso nacional em 2023. Aposentadorias, pensões, auxílios-doença e BPC (Benefício de Prestação Continuada) não podem ser menores que o salário mínimo.

O valor do piso nacional válido em 2022 foi definido no dia 31 de dezembro de 2021, por meio de MP (Medida Provisória), sem reajuste acima da inflação.

Considerando uma projeção de 6% para a inflação, mais um aumento real de 1,3% ou 1,4%, conforme já previu a equipe de transição do governo Lula, o salário mínimo poderia ficar em R$ 1.302.

Em 2023, há intenção de a política de valorização do salário mínimo voltar a valer, como ocorreu entre os anos de 2006 e 2019. A regra anterior levava em consideração a inflação mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. Agora, uma proposta é fazer uma média do PIB dos últimos cinco anos.

Nas diretrizes econômicas apresentadas no plano de governo de Lula no primeiro turno, o aumento real do mínimo constava como um dos principais pontos, o que foi reafirmado na Carta para o Amanhã.

O reajuste acima da inflação foi implantado por Lula e transformado em lei por Dilma Rousseff, com validade somente até 2019. O governo de Jair Bolsonaro acabou com a valorização.

Colaborou Cristiane Gercina
Luciana Lazarini/Folhapress

‘Nada está perdido’; leia discurso comentado de Bolsonaro sem citar Lula

O presidente Jair Bolsonaro (PL) quebrou um silêncio de 40 dias na tarde de sexta-feira (9) com um discurso dúbio que atiçou seus apoiadores.

Foram cerca de 15 minutos de pronunciamento a simpatizantes, na área externa do Palácio da Alvorada, na sua fala pública mais longa desde a derrota eleitoral para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições.

Bolsonaro fez nova aparição para um grupo em frente ao palácio neste domingo (11), mas ficou calado. Ele apenas acenou para o público e participou de uma oração conduzida por um pastor levado ao local por sua equipe. A cena foi transmitida em redes sociais do presidente.

O discurso na sexta foi salpicado de referências às Forças Armadas e dispensou menções explícitas a Lula, que será diplomado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nesta segunda-feira (12).

Ele repetiu a retórica de campanha e estimulou indiretamente manifestações antidemocráticas dos seguidores que contestam a vitória do petista.

Bolsonaro adotou ar messiânico, misturando temas como socialismo, religião, ditadura e sacrifício pelo país, e emitiu sinais ambíguos, com expressões que insuflam a militância a manter atos em frente a quartéis militares. Ao mesmo tempo, evitou termos que pudessem comprometê-lo legalmente.

“Quem decide o meu futuro e para onde eu vou são vocês. Quem decide para onde vai [sic] as Forças Armadas são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara, o Senado, são vocês também”, disse.

“Vamos vencer”, conclamou, sem explicitar a que se referia. Em outra frase lacônica, afirmou: “Se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno”.

O mandatário buscou desmentir a percepção de apatia após a derrota nas urnas e insinuou estar tomando providências, sem especificá-las. Insistiu na ideia de que é o chefe máximo das Forças Armadas e recomendou que os apoiadores persistam em manifestações, desde que de acordo com as leis.

O presidente estava acompanhado do general da reserva e ex-ministro Braga Netto, seu vice nas eleições deste ano, e do ex-ministro do Turismo Gilson Machado, recém-nomeado para chefiar a Embratur.

Leia a seguir a íntegra comentada do discurso. As falas do presidente foram transcritas na íntegra, sem correção gramatical.

“Eu falei que viria aqui ouvi-los. Se estou aqui, é porque, primeiro, acredito em Deus. Segundo lugar, devo lealdade ao povo brasileiro. Ao longo de quatro anos, que vocês me conheceram, nós despertamos o patriotismo no Brasil. O povo voltou a admirar sua bandeira. O povo voltou a acreditar que o Brasil tem jeito. Não é fácil você enfrentar todo um sistema.”

Na introdução, Bolsonaro repetiu discursos que adota desde a campanha eleitoral de 2018, como a narrativa de que é antissistema e que, por isso, sofre perseguições. Temas martelados durante sua tentativa frustrada de reeleição também apareceram, com a ideia de que resgatou o patriotismo nacional, valorizado por seus seguidores mais radicais.

“A missão de cada um de nós aqui não é criticar, é unir. Muitas vezes vocês têm informações que não procedem e, pelo cansaço, pela angústia, pelo momento, passam a criticar.”

O trecho soou como um pedido de paciência a manifestantes que desde o segundo turno, em 30 de outubro, estão acampados em frente a quartéis militares. A onda de protestos antidemocráticos começou com fechamentos de rodovias pelo país, movimento que depois foi dissolvido por ações da Justiça e de estados e perdeu força.

Apegados a teorias conspiratórias e distorções sobre os pilares da Constituição, os apoiadores se frustraram com a demora para uma suposta reação de Bolsonaro e das Forças Armadas e passaram a reclamar da ausência de respostas imediatas.

“Tenho certeza, entre as minhas funções garantidas na Constituição, é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse, ao longo desses quatro anos, que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo. As Forças Armadas, tenham certeza, estão unidas. As Forças Armadas devem, assim como eu, lealdade ao nosso povo, respeito à Constituição, e são um dos grandes responsáveis pela nossa liberdade. Quantas vezes eu disse, ao longo desses quatro anos, que temos algo mais importante que a própria vida, que é a nossa liberdade?”

A ideia de que militares funcionam como anteparo contra a ideologia socialista é repetida pelo presidente com frequência. O termo passou a ser usado também para se contrapor a Lula e à esquerda.

“As decisões, quando são exclusivamente nossas, são menos difíceis e menos dolorosas, mas, quando elas passam por outros setores da sociedade, elas são mais difíceis e devem ser trabalhadas. Se algo der errado é porque eu perdi a minha liderança. Eu me responsabilizo pelos meus erros, mas peço a vocês: não critiquem sem ter certeza absoluta do que está acontecendo.”

O presidente deu a entender que depende de ações de outras pessoas ou instituições, que não ele próprio ou a Presidência da República, e chamou para si a responsabilidade sobre eventuais falhas, sem explicar a que exatamente se referia. Novamente, apelou aos seguidores para que não critiquem sem saber exatamente o que se passa, sugerindo estar enfrentando algum obstáculo momentâneo.

“Obviamente, não estou aqui quebrando o silêncio. Estou falando algo que sempre disse a todos vocês. Alguns falam do meu silêncio. Há poucas semanas, se eu saísse aqui e desse bom dia, tudo seria deturpado, tudo seria distorcido. Todos nós sabemos o que aconteceu ao longo desses quatro anos, ao longo do período eleitoral e o que foi anunciado pelo TSE.”

Ao negar que estivesse rompendo o silêncio, Bolsonaro sugeriu não ter se dirigido aos apoiadores antes porque eles já ouviram o que ele tinha para dizer. Na sequência, resgatou seu embate com a imprensa, vitimizando-se com a ideia de que suas declarações na portaria do

Alvorada seriam desvirtuadas. Ele também reforçou a mensagem de que foi perseguido e injustiçado pelo Tribunal Superior Eleitoral durante a campanha, com o objetivo de favorecer o rival Lula.

“Nós estamos lutando –quando eu falo nós, sou eu e vocês– pela liberdade até daqueles que nos criticam. O Brasil não precisa de mais leis, o Brasil precisa que suas leis sejam efetivamente cumpridas. Nós temos assistido, dia após dia, absurdos acontecerem aqui em nossa pátria.”

O trecho embutiu referência à bandeira da liberdade de expressão, que foi apropriada pelo bolsonarismo para sustentar a ideia de que a direita sofre censura no país. O conflito se ampliou após ações e processos no TSE e no STF (Supremo Tribunal Federal) conduzidos, na maioria, pelo ministro Alexandre de Moraes. O cerco aos bolsonaristas se fundamenta no combate aos discursos de ódio e de intolerância política, além da punição a crimes previstos na legislação brasileira.

“Nada é por acaso. Cada um de nós tem uma missão aqui na Terra dada pelo nosso Deus. Quantas vezes eu, após a minha oração matinal, eu pergunto: “Meu Deus, o que eu fiz para merecer essa cadeira presidencial? Qual foi o meu pecado?”.

Porque para mim estar do outro lado é muito fácil, é gratificante até para o meu corpo, mas jamais para a minha alma. Todos nós temos um ponto final aqui nessa Terra. E dá para a gente, cada vez mais, trazer pessoas que fiquem ao nosso lado, até aqueles que pensam completamente diferente de nós. Nós defendemos o direito dessa pessoa falar o que bem entender, mas devemos trazê-las para o nosso lado, o lado da verdade, da honestidade, do respeito, da família, da liberdade de expressão e religiosa. Somente assim nós podemos ter um Brasil realmente grande para todos nós.”

A ideia de sacrifício atrelada à cadeira de presidente já foi lançada em outros momentos. Em junho deste ano, ele disse que “não tinha nada para estar aqui [na Presidência]” e “nem leva jeito”, porque nasceu “para ser militar”. Bolsonaro insistiu na defesa da ampla liberdade de expressão, inclusive para adversários, mas descreveu o outro lado como avesso a valores como verdade e família, ecoando sua campanha eleitoral contra o candidato do PT.

“Se vocês derem uma olhada para o lado, ninguém tem o que nós temos. Quantas vezes eu falei o que faltava para nós, para nós sermos uma grande nação, e eu sempre dizia: entender as coisas, procurar estudar, conversar, aprender, porque aqui é um país fantástico.

Vocês lembram daquela sessão secreta que eu tive com ministros, não teve nada de secreta, tinham 30 pessoas, 35 pessoas naquela sessão, e depois eu entreguei o DVD ao Supremo Tribunal Federal, porque ali estaria a prova de uma interferência minha na Polícia Federal. Podia não ter entregue, mas, se eu não tivesse entregue, até hoje estava com o fantasma da interferência na Polícia Federal. Entreguei a fita.

Essa fita, que a imprensa foi colocando aí a conta-gotas, tão logo era liberada pelo Supremo Tribunal Federal, é uma reunião que você vê o homem, o presidente, com o coração defendendo seu povo. Nada ali foi um teatro. E uma das coisas mais importantes que eu disse ali: como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Está lá, um vídeo de abril de 21. São verdades. A verdade dói. Quantos amigos nós perdemos por falar a verdade para eles? Quantas vezes nós nos irritamos quando alguém diz a verdade para nós?”

O vídeo citado é, na verdade, de abril de 2020, e não de 2021. O material registrou uma reunião ministerial no início da crise da Covid-19 e foi mencionado pelo ex-juiz Sergio Moro como suposta prova da tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. Moro fez a acusação ao deixar o Ministério da Justiça e Segurança Pública e romper com o presidente, de quem viria a se reaproximar na campanha deste ano.

A afirmação de que ali estava “o homem” Bolsonaro pode ser lida como uma maneira de justificar à sua base conservadora os 33 palavrões ditos por ele na reunião. O inquérito aberto para investigar o caso foi encerrado em março pela Polícia Federal. A conclusão foi que não havia indícios de que o presidente tentou intervir no órgão para proteger aliados e familiares.

“E hoje estamos vivendo um momento crucial, uma encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro e para onde eu vou são vocês. Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara, o Senado, são vocês também. Se temos críticas, erramos, não tivemos o devido cuidado para escolher a pessoa certa, mas as coisas vão mudando. Nada como o tempo para fazer cada um de nós melhor.”

A fala contém a mensagem recorrente de Bolsonaro de que “o povo” –uma definição vaga e que por vezes parece incluir apenas os seus apoiadores– goza de poder maior do que as instituições, que deveriam se submeter à vontade popular, mesmo quando expressa fora dos mecanismos constitucionais e eleitorais.

“Eu só posso ser feliz se vocês também forem felizes, e devemos pensar exatamente dessa maneira: qual o futuro do Brasil? Não vou falar do outro lado político, mas qual o futuro do Brasil? O que aconteceu? Por que chegamos a esse ponto? Demoramos a acordar? Nunca é tarde para acordarmos e sabermos da verdade. Logicamente, quanto mais tarde você acorda, mais difícil é a lição. Não é “eu autorizo”, não. É o que eu posso fazer pela minha pátria. Não é jogar a responsabilidade para uma pessoa.

Eu sou exatamente igual a cada um de vocês que está aqui. Temos sangue, carne, osso, sentimentos, não somos um amontoado de moléculas ou átomos, que temos alma, temos sentimento. Estamos aqui por algo divino, não tem outra explicação. Estamos sendo provados aqui na Terra. E esse momento de provação não é fácil.”

O presidente citou a expressão “eu autorizo”, dita pelos apoiadores radicais como senha para intervenção das Forças Armadas, o que é inconstitucional, ou para um “autogolpe”, com a permanência de Bolsonaro no cargo e o desrespeito ao resultado da eleição vencida por Lula, outra situação que afrontaria a Carta Magna e o Estado democrático de Direito. O mandatário, no entanto, deu a entender que o clamor é inútil sem uma ação coletiva.

“Estou há praticamente 40 dias calado. Dói, dói na alma. Sempre fui uma pessoa feliz, no meio de vocês, mesmo arriscando a minha vida no meio do povo, como arrisquei em Juiz de Fora, em setembro de 2018. Quase eu deixei essa Terra.

Se a facada tivesse sido fatal, vocês sabem quem seria o presidente do Brasil. Vocês sabem onde nós estaríamos durante a pandemia.

Seguramos muita coisa, nos sacrificamos, raramente é um momento de alegria, de férias. Mas fiz isso, e entendi que tudo o que fiz foi para o meu país, para a minha pátria. Mas também, além de perguntar para Deus que mal eu fiz para merecer isso, muitas vezes “obrigado, meu Deus, por essa oportunidade”. A minha vida está em risco o tempo todo, mas quem de nós, mais de 200 milhões de pessoas, pode ter esse momento de ser presidente da República Federativa do Brasil e poder ajudar no direcionamento da sua pátria?”

A lembrança do atentado sofrido durante a campanha eleitoral de 2018 é sempre evocada por Bolsonaro para exaltar uma suposta predestinação ou iluminação divina para ele ter chegado ao cargo. Insistindo na ideia de que faz um sacrifício pessoal ao exercer o mandato de presidente, ele sugeriu que, se tivesse morrido, o eleito naquela ocasião teria sido do PT.

“O Brasil, mesmo com pandemia, com guerra lá fora, crise hidráulica o ano passado, hidrológica, nós vencemos desafios. A economia está aí, praticamente em pleno emprego, contando com os informais. Pouco mais de 100 milhões de pessoas empregadas. O Brasil está pronto para dar um salto, e o que aconteceu? Aconteceu algo que a gente não esperava numas condições normais. Aconteceu. Nunca vi no mundo o povo ir à rua para um presidente ficar. Eu vi ao longo de 67 anos o povo ir às ruas para tirar presidente, nunca vi para ficar.”

A tese de que inimigos externos e internos prejudicaram seu mandato foi base da argumentação da campanha à reeleição, sempre que Bolsonaro era questionado sobre temas como aumento da fome e da desigualdade, alta da inflação e desaceleração da economia.

Segundo levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgado no fim de novembro, o número de pessoas ocupadas no Brasil chegou a 99,7 milhões no trimestre até outubro. A taxa de desemprego atingiu 8,3%, o menor patamar para esse trimestre desde 2014.

“Já disse muitas vezes a vocês. Eu perguntava: o poder emana do povo? Depende de quem o povo escolhe para representar. Se o poder emanasse do povo, somente pelo povo, Cuba não seria uma ditadura, nem a Venezuela. Nós devemos ver o que aconteceu em outros países, para que nós não venhamos a cometer exatamente os mesmos erros.

Nada está perdido. Ponto final, somente com a morte. Nunca saí dentro das quatro linhas da Constituição, e acredito que a vitória será também dessa maneira. Dou a minha vida pela minha pátria; a vida física. Não é se matar pela pátria em trabalhar, o que é natural. A vida física, se preciso for. Nós temos como mudar o futuro da nossa nação.”

Bolsonaro rebate as críticas por seus desmandos com a afirmação de que atua “dentro das quatro linhas da Constituição”, mas acumulou ao longo do mandato sucessivos atos e discursos contrários aos princípios constitucionais. Alguns exemplos são os ataques ao Judiciário e ao Legislativo, em afronta ao princípio da harmonia entre os Poderes, e a escalada de contestações infundadas ao sistema eleitoral.

“Com o mesmo ingrediente, ninguém pode fazer um bolo diferente. Desse ingrediente que temos agora pela frente, nós já sabemos lá atrás o que aconteceu. Vocês também estão aqui não é por mim, é pelo país de vocês, esse país que não existe nada igual no mundo todo.

Então, o que eu digo a vocês: vamos acreditar, vamos nos unir, criticar só quando tiver certeza absoluta, buscar alternativas e cada um ver o que ele pode de fato fazer pela sua pátria. Algumas pessoas aqui na frente eu reconheço que já perderam. O que poderão perder mais ainda? Conheço o temor de muitos de vocês, e não é diferente do meu temor. Quando vejo crianças na minha frente, e eu tenho uma filha de 12 anos, todos nós aqui temos família. Todos nós temos filhos, netos, sobrinhos, e nós não podemos esperar chegar lá na frente e olhar para trás e dizer: o que eu não fiz lá atrás para chegarmos a essa situação de hoje em dia?”

Bolsonaro usou a metáfora do ingrediente para se referir indiretamente ao presidente eleito Lula, que será diplomado nesta segunda-feira (12) e tomará posse em 1º de janeiro.

O mandatário também buscou manter sua base aglutinada, pregando união e colaboração mútua. Novamente, ele buscou se colocar no mesmo patamar dos manifestantes e fez um apelo sentimental, envolvendo família, para incentivar seus seguidores a lutarem pelo futuro do país.

“Sabemos que o tempo voa, cada minuto é um minuto a menos. Vamos fazer a coisa certa, diferentemente de outras pessoas, vamos vencer. Se manifestando de acordo com as nossas leis, vocês são cidadãos de verdade, e está na hora de parar de ser tratado como outra coisa aqui no Brasil. Acredito em vocês, e vamos acreditar no nosso país. Se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno. Muito obrigado a todos vocês.”

Ao concluir, o presidente falou em expectativa de vitória, sem deixar claro se a referência era a alguma expectativa em curto prazo ou a uma eventual nova candidatura, por exemplo. Em meio a elogios a seus apoiadores, descritos como “cidadãos de verdade”, ele fez um pedido indireto para que atos de rua ocorram de acordo com a legislação, uma forma de assegurar a manutenção das mobilizações e de se desvincular de eventual responsabilização ou punição judicial.

JOELMIR TAVARES E MATHEUS TUPINA/FOLHAPRESS

Economia nega que Estado esteja ‘quebrado’ e projeta queda na dívida pública

O Ministério da Economia divulgou nota neste domingo (11) para rebater o que classificou de “declarações infundadas” sobre o cenário econômico nacional, citando que as contas públicas do Estado não estariam “quebradas” e que haverá queda na dívida do país.

Na semana passada, o grupo técnico de Planejamento, Orçamento e Gestão da equipe de transição do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fez um diagnóstico bastante duro sobre as contas do governo federal.

“O diagnóstico que vai ficando claro para o governo de transição é que governo Bolsonaro quebrou o Estado brasileiro. Serviços essenciais ou já estão paralisados ou correm grande risco de serem totalmente comprometidos”, disse o coordenador dos grupos técnicos, o ex-ministro Aloizio Mercadante.

No comunicado deste domingo, o Ministério da Economia procura contrapor críticas feitas e ressalta que a dívida bruta do governo geral deverá terminar o ano representando 74% do PIB (Produto Interno Bruto), com superávit primário de R$ 23,4 bilhões, o primeiro desde 2013, de acordo com o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias.

“Será o primeiro governo que encerra o mandato com endividamento em queda: em 2018, a relação dívida/PIB chegou a 75,3%”, afirmou o ministério no comunicado.

Os compromissos totais devidos pelo Brasil a organismos e instituições financeiras internacionais deverão somar US$ 1,23 bilhão (R$ 6,4 bilhões) em 2023. De acordo com o ministério, o valor é quase 20% menor que o total de US$ 1,52 bilhão devido no ano de 2016.

“Importante considerar que, para 2022, o governo havia reservado no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) o valor de R$ 2 bilhões para pagamento de compromissos com organismos e instituições financeiras internacionais, mas o valor foi reduzido pelo Congresso Nacional a 907 milhões reais, o que impossibilitou maior redução dos passivos”, disse a pasta.

O governo destacou o impacto da pandemia da Covid-19 sobre os planos de reajuste salarial dos servidores públicos, cujo pagamento da última parcela ocorreu em 2019.

A pasta disse que as políticas adotadas para manutenção de empregos e auxílio financeiro à população impediram a aprovação de reajustes aos servidores públicos até o fim de 2021.

Para 2023, no entanto, o Projeto de Lei Orçamentária enviado ao Congresso previu R$ 10,5 bilhões para reajustes dos servidores públicos do Poder Executivo. O montante corresponderia, de forma linear, a cerca de 5% de correção salarial.

Apesar do cenário citado pelo ministério, o relator geral do Orçamento para 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), e outros têm apontado repetidamente a falta de recursos para uma série de programas na previsão de gastos do próximo ano.

Neste sentido, Lula trabalha pela aprovação da PEC da Transição na Câmara dos Deputados, após vitória no Senado, para expandir por dois anos o teto de gastos em R$ 145 bilhões para pagamento do Auxílio Brasil —que voltará a se chamar Bolsa Família— de R$ 600 e permitir uma recomposição em outros pontos do Orçamento de 2023.

Nayara Figueiredo/Folhapress

Lira une PEC da Transição a texto mais avançado para apressar tramitação

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição foi apensada a outra proposta na sexta-feira (9). Com isso, o texto não precisa passar por nenhuma comissão e será analisado diretamente em plenário.

A manobra legislativa ocorreu após determinação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e foi combinada com parlamentares do PT. A previsão é que o texto seja votado na quarta-feira (14).

Neste domingo (11) haverá uma reunião entre o presidente da Câmara e deputados do PT, entre eles Reginaldo Lopes (PT-MG) e José Guimarães (PT-CE), em Brasília para falar especificamente do tema.

O plenário do Senado aprovou na quarta-feira (7) a PEC da Transição. Em mais um teste para o governo eleito, o Senado manteve o texto da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), em meio à pressão da oposição para reduzir o impacto e o prazo de duração.

O placar para a aprovação do texto base foi de 64 a 16 no primeiro turno e de 64 a 13 no segundo turno. O texto agora precisa passar pela Câmara dos Deputados, onde precisará do aval de 308 parlamentares.

A PEC amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões em 2023 e 2024 para o pagamento do Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) e libera outros R$ 23 bilhões para investimentos fora do teto em caso de arrecadação de receitas extraordinárias.

A PEC é a principal aposta do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para cumprir promessas de campanha, como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança até seis anos. O valor reservado para o programa sem a PEC é suficiente apenas para o pagamento de R$ 405 por família.

Com o espaço de R$ 105 bilhões aberto no Orçamento de 2023, Lula espera recompor programas como Farmácia Popular e Minha Casa, Minha Vida, e reajustar o salário mínimo acima da inflação. A distribuição do montante, no entanto, será definida não só pelo governo eleito —como previa a proposta inicial—, mas também pelo Congresso.

Raquel Lopes/Folhapress

Brasil registra 40 mortes e mais de 12,3 mil casos de Covid nas últimas 24 horas

O Brasil registrou 12.369 casos e 40 mortes pela Covid neste domingo (11). Com isso, o país chega a 35.615.590 infecções e 690.946 vidas perdidas desde o início da pandemia.

As médias móveis de infecções e óbitos registradas foram de 29.534 e 102, uma variação, respectivamente, de 26% e 33% em relação a duas semanas atrás. Elas são, porém, ligeiramente menores em relação ao dia anterior (de 33.844 e 116).

Os dados do país, coletados até 20h, são fruto de colaboração entre Folha, UOL, O Estado de S. Paulo, Extra, O Globo e G1 para reunir e divulgar os números relativos à pandemia do coronavírus.

As infecções e mortes foram registradas em 14 estados. Oito estados não registraram mortes nas últimas 24 horas.

As informações são recolhidas pelo consórcio de veículos de imprensa diariamente com as Secretarias de Saúde estaduais.

Em abril deste ano, o consórcio de veículos de imprensa deixou de atualizar as informações sobre vacinação nos fins de semana e feriados. A medida busca evitar imprecisões nos números informados ao leitor.

A iniciativa do consórcio de veículos de imprensa ocorreu em resposta às atitudes do governo Jair Bolsonaro (PL), que ameaçou sonegar dados, atrasou boletins sobre a doença e tirou informações do ar, com a interrupção da divulgação dos totais de casos e mortes.

Folhapress

Bolsonaro faz oração com apoiadores, sem discurso, na véspera de diplomação de Lula

O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez oração com apoiadores neste domingo (11) em frente ao Palácio da Alvorada, na véspera da diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O presidente, que não fez discurso, acenou para os simpatizantes e acompanhou a cerimônia de hasteamento da bandeira.

Em nome de Bolsonaro, um pastor pediu para que apoiadores fizessem uma oração. “Nós, a nação brasileira, somos 88% de cristãos, católicos, evangélicos”, disse ele, ao demandar que o grupo rezasse pelo país.

O ex-ministro do Turismo Gilson Machado, nomeado por Bolsonaro após a eleição para chefiar a Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo), também estava presente.

Centenas de apoiadores, que se reuniam na porta do Alvorada desde o começo da tarde, gritaram “fica, Bolsonaro”, pediram ao presidente para não “entregar cargos para bandidos” e repetiram lemas bolsonaristas, como “Deus, Pátria, Família e Liberdade”. Faixas ainda estampavam dizeres como “Supremo é o povo”.

O ato aconteceu na véspera da diplomação de Lula, que receberá nesta segunda (12), junto com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, diplomas assinados pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ministro Alexandre de Moraes.

No sábado (10), Bolsonaro participou de uma cerimônia de declaração de Guardas-Marinha no Rio, onde também não fez discurso.

Após a derrota no segundo turno das eleições, Bolsonaro adotou uma postura mais reclusa, com poucas idas ao Palácio do Planalto e declarações públicas.

O silêncio foi quebrado na sexta-feira (9), com uma fala dúbia em Brasília em que ele atiçou apoiadores. Bolsonaro disse se responsabilizar pelos seus erros, afirmou que seus apoiadores é que decidirão seu futuro e exaltou sua ligação com as Forças Armadas.

Folhapress

Reforma administrativa de Jerônimo cria mais de mil cargos, extingue Bahiatursa e fortalece pasta da igualdade racial

O projeto de reforma administrativa do governador eleito Jerônimo Rodrigues (PT) foi publicado na edição deste final de semana do Diário Oficial do Legislativo. O texto foi encaminhado pelo governador Rui Costa (PT), logo após a reunião promovida sábado (10) entre Jerônimo e os partidos que integram o conselho político, na sede da transição, no Desenbahia, no bairro de Narandiba, em Salvador.

A proposta, que agora será apreciada pelos deputados estaduais, faz alterações pontuais, e já previstas, na atual estrutura governamental. No total, são criados mais de mil cargos comissionados e extintos mais de 800.

Todos os cargos da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (323), por exemplo, serão extintos, já que a pasta será dividia em duas: a da Justiça e Direitos Humanos (SJDH), com 179 vagas comissionadas, e da Assistência e Desenvolvimento Social (Seades), com 241.

Outra mudança significativa é a extinção da Bahiatursa e dos 89 cargos que integram hoje a estrutura do órgão. Por outro lado, a Secretaria de Turismo (Setur) ganha 49 novos postos de trabalho de livre nomeação.

A Secretaria de Promoção da Igualdade Racial muda de nome e ganha força. A partir de janeiro de 2023, será Secretaria da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Seprom), com 45 novos cargos (três da antiga estrutura serão extintos). Há ainda criação de vagas na pasta de Relações Institucionais (22), que passa a cuidar também das ações em prol da juventude.

Há extinção e criação de cargos em outras secretarias e órgãos, a exemplo do Detran. O órgão de trânsito perde 335 e ganha 443 vagas em comissão, mas com diversas alterações no grau/símbolo.

Fila do Auxílio Brasil ressurge após eleição e já tem 128 mil famílias

Encerrado o segundo turno da eleição para a Presidência, o programa de benefícios Auxílio Brasil, do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), voltou a registrar fila de espera, algo que não acontecia desde agosto, quando a campanha eleitoral ganhou força.

Segundo dados obtidos pela reportagem, 128 mil famílias entraram na lista em novembro. Isso significa que elas já tiveram seu cadastro aprovado pelo Ministério da Cidadania, responsável pelo programa, mas ainda não foram atendidas. Procurado, o Ministério da Cidadania não respondeu sobre o motivo do represamento nas concessões.

A fila de espera começou o ano de 2022 zerada. Sem orçamento suficiente no programa, porém, a fila foi crescendo mês após mês e, em julho, atingiu a marca de 1,569 milhão de famílias.

De olho na reeleição, Bolsonaro se empenhou para ampliar o orçamento do Auxílio Brasil no segundo semestre, e conseguiu manter as filas zeradas em agosto, setembro e outubro, meses de campanha eleitoral, além de expandir o número de famílias no programa de transferência de renda.

Em outubro, o número de beneficiários superou os 21 milhões, um recorde que se repetiu neste mês.

Ao turbinar o Auxílio Brasil, a campanha do presidente Bolsonaro esperava melhorar o desempenho eleitoral do presidente em regiões do país e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mostrava maior intenção de voto.

Bolsonaristas reconheciam que a medida era uma das principais apostas eleitorais da campanha. Também lamentavam que a ampliação do programa social tivesse sido adotada num período muito próximo à eleição, o que dificultou o objetivo de colher os dividendos eleitorais —o efeito político desse tipo de ação não é imediato.

NOVA FILA DE ESPERA ELEVA PRESSÃO SOBRE GOVERNO ELEITO

O represamento de famílias de baixa renda que se enquadram no perfil do Auxílio Brasil gera ainda mais pressão para o programa no início da gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que planeja retomar a marca Bolsa Família.

A equipe de transição estima um gasto de R$ 175 bilhões no próximo ano com o programa social. Isso inclui R$ 157 bilhões para o benefício mínimo de R$ 600 por família e R$ 18 bilhões para a promessa de campanha de conceder R$ 150 por criança de até seis anos.

No formato atual, o Auxílio Brasil representa um gasto de R$ 13 bilhões por mês para os cofres públicos —cálculo com base nos dados de novembro, quando o programa atendeu 21,53 milhões de famílias e registrou a fila de 128 mil.

Nesse nível mensal, o custo já consome todo o orçamento de R$ 157 bilhões estimado pelo PT. Ou seja, não há espaço para zerar a fila de espera nem para evitar que ela cresça.

Membros da equipe de transição de Lula dizem que não deve ser possível atender a todos da fila imediatamente assim que ele assumir. A prioridade será redesenhar as regras do programa ainda no primeiro trimestre e fazer uma análise mais criteriosa dos cadastros já a partir de janeiro, para evitar que sejam incluídos no programa pessoas sem o perfil social para receber o benefício.

Por causa dos critérios adotados na gestão Bolsonaro, houve um grande aumento do número de beneficiários do Auxílio Brasil enquadrados como família pobre ou extremamente pobre com apenas um integrante.

Esse perfil de beneficiário mais que dobrou em um ano, passando de 2,2 milhões, em novembro do ano passado, para 5,5 milhões atualmente.

Essa é uma das principais críticas feitas pelo governo ao programa da atual gestão: ele não distingue entre famílias com muitas crianças, que precisariam de mais recursos, e beneficiários individuais. Todos recebem o mesmo valor.

Em novembro, por exemplo, o benefício médio transferido ficou próximo de R$ 608, sendo que o valor mínimo é de R$ 600.

No Bolsa Família, cuja estrutura o governo Lula pretende retomar, o valor transferido dependia do número de filhos e faixa de renda de cada família cadastrada.

Apesar do inchaço no número de beneficiários individuais, apenas no mês passado, após o período eleitoral, o Ministério da Cidadania iniciou um processo para apurar possíveis irregularidades.

Por enquanto, contudo, os bloqueios de benefícios ainda não registraram um comportamento fora do comum.

O objetivo da equipe do presidente eleito é que famílias com um “perfil claro” para o Bolsa Família —mulheres com filhos— sejam prioridade no atendimento da fila.

A expectativa é que, com a verificação de irregularidades, haja mais espaço para colocar novas famílias no programa.

As mudanças nas regras e a volta do nome Bolsa Família devem ser feitas por medida provisória (MP) a ser elaborada nos primeiros dois ou três meses de governo, segundo integrantes da equipe de transição na área de assistência social.

Thiago Resende/Folhapress

Transição manifesta preocupação com recuperação judicial da Oi

Integrantes do grupo de comunicações da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manifestaram preocupação com a recuperação judicial da Oi e o eventual impacto para o futuro governo do petista.

A menção ao equilíbrio econômico-financeiro da Oi consta no relatório final entregue pelo grupo técnico à coordenação da transição.

O alerta teve como origem o TCU (Tribunal de Contas da União). Os integrantes debateram o risco de a empresa entrar em falência e restar à União assumir a concessão ou não haver continuidade dos serviços, prejudicando a população brasileira. Além disso, o GT não conseguiu apontar quantas pessoas ficariam desassistidas e sugere que o Estado deve estudar esse impacto.

Os integrantes do GT recomendam “observância constante do equilíbrio econômico-financeiro da Oi S.A. frente ao seu processo de recuperação judicial em curso.” A urgência do tema é de curto prazo, segundo o relatório.

A Oi entrou com pedido de recuperação judicial em junho de 2016, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, depois de acumular uma dívida bruta de aproximadamente R$ 65 bilhões, com mais de 55 mil credores.

TIM, Claro e Telefônica Brasil ganharam direito sobre os ativos móveis da Oi em leilão no final de 2020 com uma proposta conjunta de R$ 16,5 bilhões, mas o valor é alvo de disputa.

Guilherme Seto/Folhapress

'Ouvi minha mulher sendo estuprada e não pude fazer nada': a brutalidade das gangues que assola o Haiti

Na capital do Haiti, Porto Príncipe, se você não souber onde pisa, pode estar em sério risco. Gangues rivais estão destruindo a cidade, sequestrando, estuprando e matando à vontade. Os criminosos demarcam seu território com sangue. Atravesse uma zona controlada por uma gangue para outra e talvez você não consiga voltar com vida.

Quem mora aqui carrega um mapa mental, dividindo essa cidade fervilhante em zonas verdes, amarelas e vermelhas. Verde significa livre de gangues, amarelo pode ser seguro hoje e mortal amanhã, e vermelho é uma área proibida. A área verde está diminuindo à medida que facções fortemente armadas aumentam seu controle sobre a capital haitiana.

Grupos armados controlam — e aterrorizam — pelo menos 60% da capital e seus arredores, segundo grupos de direitos humanos. Eles cercam a cidade, controlando as estradas de entrada e saída. E a ONU diz que essas gangues mataram quase mil pessoas aqui entre janeiro e junho deste ano.

A cidade de Porto Príncipe está aninhada entre colinas verdes e as águas azuis do Caribe. É tomada pelo calor e negligência. O lixo chega até os joelhos em alguns lugares — um símbolo pútrido de um país em decomposição. Não há chefe de estado (o último foi morto no cargo), nenhum parlamento em funcionamento (gangues controlam a área ao redor) e o primeiro-ministro apoiado pelos Estados Unidos, Ariel Henry, não foi eleito e é profundamente impopular.

Na prática, o estado não exerce qualquer poder, pois as crises se sucedem. Quase metade da população — 4,7 milhões de haitianos — enfrenta fome aguda. Na capital, cerca de 20 mil pessoas enfrentam condições semelhantes à fome, segundo a ONU. É a primeira vez que isso acontece nas Américas. A cólera voltou a assombrar o país. Mas a maior praga são as gangues armadas.

A hora do rush pela manhã — entre 6h e 9h — é o horário de pico dos sequestros. Muitos são arrancados das ruas a caminho do trabalho. Outros são afetados na hora do rush da noite — das 15h às 18h.

Cerca de 50 funcionários do nosso hotel no centro moram aqui porque é muito perigoso para eles irem para casa. Poucos saem após escurecer. O gerente diz que nunca sai do edifício.

O sequestro é uma indústria em crescimento. Foram 1.107 casos notificados entre janeiro e outubro deste ano, segundo a ONU. Para algumas gangues, é uma grande fonte de renda. Os resgates podem variar de US$ 200 (R$ 1.050) a US$ 1 milhão (R$ 5,3 milhões). A maioria das vítimas volta viva — se o resgate for pago — mas não sem sofrimento.

"Os homens são espancados e queimados com materiais como plástico derretido", diz Gedeon Jean, do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos do Haiti. "Mulheres e meninas estão sujeitas a estupros coletivos. Essa situação estimula os parentes a encontrar dinheiro para pagar o resgate. Às vezes, os sequestradores ligam para os parentes para poderem ouvir o estupro sendo realizado pelo telefone".
Manhã em Delmas

Andamos de carro blindado. Normalmente reservado às linhas de frente em zonas de guerra como a Ucrânia, em Porto Príncipe tamanha segurança é vital para afastar os sequestradores. É uma proteção que muitos aqui não podem pagar.

O Haiti é o país mais pobre do hemisfério ocidental, propenso a desastres naturais e políticos.

Ao nos deslocarmos para uma entrevista em uma manhã no fim de novembro, nos deparamos com uma cena de crime no subúrbio de classe média de Delmas 83. Cartuchos de bala espalhados pela calçada, brilhando à luz do sol, e um homem jaz morto em um beco, com o rosto no chão em uma poça de sangue.
Ao lado dele, uma caminhonete 4x4 cinza batida contra um muro, um de seus lados cravado de buracos de bala. Uma AK-47 encontra-se no chão. Policiais fortemente armados cercam a picape, alguns com rostos cobertos e armas em punho. Espectadores se aglomeram em volta. Ninguém faz perguntas, mesmo que as tenha. Quando você vive na sombra das gangues, vale a pena ficar calado.

A polícia nos disse que se envolveu em um tiroteio com um grupo de sequestradores, que saíram cedo na esperança de capturar a próxima vítima. O bando fugiu a pé, um deles deixando um rastro de sangue. O suposto sequestrador foi perseguido até o beco, onde foi morto.

"Houve um tiroteio entre um policial e os bandidos. Um deles morreu", conta um policial veterano de 27 anos que não quis ser identificado.

Ele diz que a situação na capital nunca esteve pior. Perguntei se as gangues eram imparáveis. "Nós as paramos. Hoje", responde.
Do outro lado da cidade, naquela mesma manhã, François Sinclair, um empresário de 42 anos, ouviu uma rajada de tiros quando estava no trânsito. Presenciou homens armados assaltando os dois carros à sua frente, então pediu ao motorista que desse meia-volta. Mas ao tentarem fugir, foram avistados.

"Do nada, fui baleado dentro do meu próprio carro e havia sangue por toda parte", ele nos conta, sentado em uma cadeira de rodas em um hospital gerido pela ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Pergunto se ele já pensou em sair do país para fugir da violência. "Dez mil vezes", ele responde. "Não consegui nem ligar para minha mãe para contar o que aconteceu [comigo] porque ela é idosa. Do jeito que as coisas estão aqui, é melhor ir embora se puder."

Essa é uma frase que ouvimos a todo o momento, mas para a maioria dos haitianos, não há para onde ir.

As enfermarias do hospital de MSF estão cheias de vítimas de tiros, muitas delas atingidas por balas perdidas. Claudette, que perdeu parte da perna esquerda, me diz que nunca poderá se casar agora que está incapacitada. Deitada por perto está Lelianne, de 15 anos, que está fazendo palavras-cruzadas para passar o tempo. Ela foi baleada no estômago.

"Minha mãe e eu saímos para comer alguma coisa", diz ela. "Enquanto estávamos fazendo o pedido, senti algo. Foi quando caí e gritei de agonia. Não esperava sobreviver. Costumo ouvir tiros mais longe da minha casa. Naquele dia eles chegaram mais perto."

Mesmo o último presidente em exercício do Haiti não estava seguro em sua própria casa. Jovenel Moïse foi morto por pistoleiros em julho de 2021. A polícia culpou mercenários colombianos, dos quais cerca de 20 foram presos. Mas, mais de um ano depois, ninguém foi julgado aqui por puxar o gatilho ou ordenar o assassinato. Ativistas de direitos humanos dizem que quatro juízes entraram e saíram do caso. Está agora nas mãos de um quinto.

A morte do presidente criou um vácuo de poder que as gangues têm competido para preencher — com a ajuda de comparsas.

Especialistas dizem que os grupos armados têm ligações com figuras políticas corruptas — no poder e na oposição. Eles abastecem as gangues com armas, finanças ou proteção política. Em troca, as gangues fazem seu trabalho sujo, gerando medo, apoio ou instabilidade, conforme necessário.

Empresários ricos também têm ligações com as gangues.

"Sempre houve relações entre políticos e algumas gangues, localizadas principalmente em bairros pobres com grande número de eleitores. Mas desde a eleição em 2011 essas relações se institucionalizaram", diz James Boyard, especialista em segurança e professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Haiti. "Elas [as gangues] são contratadas para criar violência política".

Ativistas de direitos humanos dizem que existem cerca de 200 grupos armados em todo o país, mais da metade deles atuando na capital.

Se um membro de gangue for preso, um telefonema de seus apoiadores pode libertá-lo sem demora — e com suas armas. Ativistas de direitos humanos dizem que há muitos crimes, mas nenhuma punição.

"Não há Justiça", diz Marie Rosy Auguste Ducena, da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti (RNDDH).

"Os juízes não querem trabalhar nesses casos. Eles são pagos pelas gangues. E alguns policiais são como um sistema de apoio para as gangues, dando-lhes carros blindados e gás lacrimogêneo."

Outros policiais são membros de gangues, diz o ativista de direitos humanos Gedeon Jean. "Sabemos que há pelo menos dois policiais em exercício ou ex-policiais em cada quadrilha. Sabemos que carros com placas de polícia são usados para sequestros. Se a polícia, como instituição, está envolvida, não sabemos."

Alguns policiais atuais e antigos têm sua própria gangue, chamada Baz Pilatos. Ativistas de direitos humanos dizem que ela controla parte da rua principal no centro de Porto Príncipe.

O conluio da polícia não é um mistério. Os policiais ganham cerca de US$ 300 (R$ 1,6 mil) por mês, e alguns vivem em bairros controlados por gangues. Para eles, pode ser uma questão de sobrevivência, não de escolha.
'Concurso de brutalidade'

O que está acontecendo aqui — a cerca de duas horas de voo de Miami (EUA) — vai muito além da mera violência. É como se as gangues de Porto Príncipe estivessem envolvidas em um concurso de brutalidade, e qualquer pessoa nesta cidade de cerca de 1 milhão de habitantes possa se tornar a próxima vítima.

Um homem magro na casa dos 30 anos — que não tem ligação com gangues — vem nos contar o que ele e sua esposa sofreram alguns meses atrás. Seu bairro é controlado por uma facções, e rivais começaram uma matança. Para sua segurança, não vamos mencionar a área ou o grupo armado envolvido.

Quando ele começa a falar, continua por 13 minutos sem parar — como se não pudesse conter suas palavras ou sua angústia.

"Disse a mim mesmo que os tiros estavam muito perto de nós e que deveríamos tentar sair", diz ele. "Mas eles já estavam invadindo a vizinhança. Voltei para dentro de casa com minha esposa. Estava com tanto medo que tremia. Não sabia o que fazer. Eles matam principalmente homens jovens. Minha esposa me escondeu debaixo da cama e me cobriu com uma pilha de roupas. Meu sobrinho estava escondido no guarda-roupa."

Logo os homens entraram na casa, batendo na esposa e exigindo informações sobre os membros da gangue local. Quando o sobrinho tentou fugir, atiraram nele e o mataram. O marido permaneceu escondido e angustiado sem que nada pudesse fazer.

"Queria fugir. Queria gritar. O que mais me dói é que quando estava debaixo da cama, não podia ver, mas podia ouvir aqueles homens estuprando minha esposa. Eles a estavam estuprando, e estava debaixo da cama, e não conseguia dizer nada."
Depois disso, sua casa foi incendiada e ele e sua esposa fugiram em direções opostas. Eles ainda vivem separados, com amigos e parentes, mas esperam que possam voltar a morar com o filho pequeno.

O que aconteceu "é uma cicatriz que atinge o corpo e a alma", descreve o homem. Sua esposa agora está grávida, e eles não sabem se ele é o pai ou se é um dos agressores. De qualquer forma, nos diz que vai aceitar a criança e dar-lhe o seu nome.

"O que eu suportei não foi nada", diz ele. "Há uma senhora que teve apenas um filho. Eles cortaram a garganta dele na frente dela. O menino não tinha nenhuma ligação com gangues."

Marido e mulher foram roubados de quase tudo, incluindo o amor pelo país. "O Haiti foi apagado de nossos corações", diz ele. "Qualquer chance que tivermos, iremos embora."

Após dizer isso, ele desmorona, seu peito arfando enquanto chora.

Os testemunhos que reuni aqui estão entre os piores que já ouvi em mais de 30 anos como correspondente estrangeira, fazendo reportagens de mais de 80 países. E parece que isso é apenas uma pequena amostra da tragédia que assola esse país.

Para as gangues de Porto Príncipe, não há limites.

Em poucos dias, conheci três vítimas de estupro coletivo — a mais nova tinha apenas 16 anos. Ela e uma parente foram estupradas pelos mesmos agressores, que depois ameaçaram queimá-las vivas dentro de casa. A outra mulher estava grávida de seis meses na época em que foi atacada. Enquanto era abusada, seu marido foi executado. Meses depois, ela segue buscando o corpo dele.

Cada vez mais, o estupro é usado como arma pelas gangues. Eles têm como alvo mulheres e meninas que vivem em áreas controladas por seus rivais. Durante uma guerra territorial em julho no bairro mais pobre do Haiti, o Cité Soleil, ativistas dizem que mais de 300 pessoas foram assassinadas — a maioria dos corpos foi carbonizada — e pelo menos 50 mulheres e meninas estupradas por gangues.

A ONG Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti (RNDDH), que documentou os estupros em Cité Soleil, diz que muitas sobreviventes "se arrependem de estarem vivas". Vinte delas foram estupradas na frente de seus filhos. Seis viram seus cônjuges serem mortos antes de serem estupradas por vários homens.

A maior parte de Cité Soleil é controlada pela mais poderosa facção de Porto Príncipe — a G-9 e seus aliados. Fontes locais dizem que a gangue tinha laços estreitos com o presidente assassinado e seu partido no poder. Sua especialidade é a extorsão.

O G-9 bloqueou o principal terminal de combustíveis da cidade em setembro, paralisando o país por quase dois meses e desencadeando uma crise humanitária.

Seu líder é um ex-policial chamado Jimmy Cherizier, apelidado de "Churrasco", que dá ocasionalmente entrevistas a jornalistas. Solicitamos uma entrevista por intermediários, mas não tivemos resposta. Ele pode querer falar menos hoje em dia porque foi recentemente submetido a sanções pelo Conselho de Segurança da ONU, acusado de ameaçar a paz e a estabilidade do Haiti.

Os Estados Unidos e o Canadá recentemente sancionaram dois políticos haitianos, incluindo o atual presidente do Senado, Joseph Lambert, por supostamente colaborar com as gangues.

Fontes dizem que as sanções estão gerando algum impacto, porque os políticos que usam as gangues agora querem se esconder.
'Criminosos tomaram país como refém'

Quando Jean Simson Desanclos chegou à rua deserta na periferia de um subúrbio repleto de facções, ele não encontrou nada de sua família exceto a carroçaria queimada da Suzuki preta da família. Os restos mortais carbonizados de sua esposa e duas filhas já haviam sido levados para o necrotério.

Josette Fils Desanclos, de 56 anos, estava levando uma de suas filhas Sarhadjie, de 24, para a universidade, e a outra, Sherwood Sondje, fazia compras para seu aniversário. Estava prestes a completar 29 anos. As duas meninas estudaram Direito como o pai. Eram suas "princesas".

"No dia 20 de agosto, perdi tudo", diz ele. "E não foi só minha família. Ao todo, oito pessoas foram mortas naquele dia. Um massacre."

Desanclos acredita que sua esposa e filhas resistiram a uma tentativa de sequestro e foram baleadas por uma famosa facção chamada 400 Mawazo, que estava expandindo seu território.

"Minha suspeita é que foram eles", diz. Os assassinatos aconteceram nos arredores de uma área chamada Croix des Bouquet, que já estava sob o controle da quadrilha.

Desanclos, de fala mansa e roupas elegantes, é advogado e ativista de direitos humanos. Ele agora é um homem desolado — ansiando pelas vozes que nunca mais ouvirá.

"Você está sempre esperando uma ligação de sua filha dizendo 'papai isso' ou 'papai aquilo'. Perdi o amor da minha vida e as duas filhas que criamos neste país difícil. É como se você fosse um multimilionário e de repente, você perde tudo."

Apesar do risco para si mesmo, ele busca justiça para sua esposa e filhas.

"A família é uma coisa sagrada. Não lutar por justiça seria traí-los", diz ele. "Minhas filhas sabem que seu pai é um lutador, que nunca abandona ninguém, muito menos a própria família. O risco é enorme, mas o que mais posso perder agora?"

Ele quer que o mundo entenda uma coisa sobre o Haiti de hoje — que as gangues não têm limites.

"Criminosos tomaram um país como refém", diz ele. "Eles fazem suas próprias leis. Eles matam. Eles estupram. Eles destroem. Gostaria que minhas filhas fossem o último sacrifício, as últimas mulheres jovens mortas."

Ele fala com dignidade e convicção, mas sabe que seu desejo pode não ser atendido.

No Haiti, são as gangues que detêm o poder, e não o Estado. O primeiro-ministro Ariel Henry não consegue nem chegar ao seu escritório porque grupos armados controlam a área. Fizemos vários pedidos de entrevista com ele, mas todos foram negados.

'Pedido de socorro'

O governo do Haiti — ou o que sobrou dele — emitiu "um pedido de socorro" para uma força internacional para ajudar a restaurar a ordem.

Fala-se nas Nações Unidas sobre a necessidade de uma força armada não pertencente à ONU, mas ninguém parece ter pressa em liderá-la, ou mesmo em participar.

Intervenções estrangeiras têm má fama e um histórico ruim aqui. A última missão da ONU é lembrada por alegações de abuso sexual e por trazer cólera para o Haiti, por meio de forças de paz da ONU do Nepal. A epidemia matou cerca de 10 mil pessoas.

Existem opiniões distintas aqui sobre a ideia de soldados estrangeiros atuando no país. Há apoio de alguns empresários — que usaram grupos armados, mas agora querem que eles sejam controlados — e daqueles presos em áreas controladas por gangues. Por outro lado, há oposição de líderes da sociedade civil que dizem que o Haiti precisa agir sozinho.

Enquanto a comunidade internacional debate o futuro do Haiti, massacres continuam acontecendo.

Fontes locais dizem que grupos armados estão expandindo brutalmente seu território porque não houve eleições. Quando os políticos vêm em busca de votos — em áreas controladas por gangues — têm que subornar os pistoleiros.

A última onda de violência ocorreu na entrada norte de Porto Príncipe em 30 de novembro. Segundo a imprensa local, testemunhas oculares dizem ter visto homens armados — de uma gangue em ascensão — tentando se firmar e informaram a polícia.

Os pistoleiros retaliaram à noite, matando pelo menos 11 pessoas. Alguns dos corpos foram carbonizados.

Os limites aqui são mais uma vez redesenhados em sangue. Quem mora na cidade precisa atualizar o mapa mental, pois mais uma área está passando do verde para o vermelho.

Colaboraram com esta reportagem Wietske Burema, Göktay Koraltan e André Paultre

Gilberto Carvalho assume missão de manter militância unida para apoiar Lula

Braço direito do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde quando foi presidente pela primeira vez, o ex-ministro Gilberto Carvalho assumiu uma missão após a eleição: manter a militância unida.

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) mantém apoiadores acampados em quartéis apenas dirigindo-se a eles de maneira dúbia, o PT vê a necessidade de um esforço para fazer frente a esse exército.

Por isso, Carvalho tem feito reuniões com os comitês montados para as eleições de 2022.

No final de semana passado, encontrou-se com um grupo em Brasília. Na ocasião, afirmou que Lula pode ter o carisma que for, mas isso não será suficiente para garantir a governabilidade e enfrentar o bolsonarismo. Pediu que seus apoiadores sigam organizados para darem sustentação porque, do contrário, o governo poderá enfrentar dificuldades.

O ex-ministro pediu também compreensão para decisões que podem parecer contraditórias em um primeiro momento, mas fazem parte de um esforço maior. Citou o acordo para a recondução do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como “inevitável”.

Na tarde da última sexta-feira (9), Bolsonaro quebrou o silêncio e fez um discurso dúbio a apoiadores, dizendo se responsabilizar pelos seus erros e ressaltando ser o chefe das Forças Armadas.

“Tenho certeza que entre as minhas funções garantidas na Constituição é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse ao longo desses quatro anos que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo”, afirmou Bolsonaro, às vésperas da diplomação de Lula.

Juliana Braga/Folhapress

Filha de Bolsonaro vai deixar Colégio Militar após sofrer bullying, diz coluna

O presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama Michelle procuram uma nova escola em Brasília para matricular a filha Laura, de 11 anos. De acordo com o colunista Lauro Jardim, de O Globo, ela vai mudar de escola após sofrer bullying ao ser ofendida por uma colega do Colégio Militar.

Ainda segundo o colunista, Laura será transferida para um colégio particular, ainda não definido.

A filha mais nova de Bolsonaro ingressou no Colégio Militar de Brasília sem passar pelo processo seletivo, a pedido do presidente da República. A decisão foi tomada pelo comandante do Exército em “caráter excepcional”, em 2021.

Sindicatos marcam assembleia que poderá destituir Josué Gomes da Fiesp

Sindicatos de oposição à gestão de Josué Gomes à frente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) publicaram neste domingo (11) a convocação de uma assembleia extraordinária no dia 21 de dezembro para discutir a conduta do presidente da entidade –e que poderá resultar em sua destituição.

A plenária foi solicitada pela primeira vez pelos sindicatos em outubro. No início de novembro, Gomes comunicou em reunião da diretora que não faria a convocação por entender que o pedido não estava detalhado. O grupo ainda fez um novo pedido de assembleia no dia 27 de novembro, depois de ter detalhado a solicitação, mas a convocação não saiu.

Os sindicatos já consideravam a autoconvocação, por entender que isso está previsto no estatuto da entidade, mas entendiam que seria melhor se a assembleia fosse marcada pela direção. Na Fiesp, a perspectiva era de que essa convocação ficasse para janeiro.

A oposição à gestão de Gomes é majoritária entre os sindicatos ligados à Fiesp. Dos 106 com direito a voto, 80 assinaram os dois documentos recentes enviados à direção da entidade, que foram o detalhamento dos motivos para a realização da assembleia e o novo pedido de convocação da assembleia.

No total, assinaram esses comunicados 86 dirigentes. Entre o primeiro pedido, de outubro, e os novos, de novembro, o número de assinaturas subiu. Eram 78 na primeira solicitação.

A liderança da movimentação para destituir Gomes é atribuída ao ex-presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que ficou 17 anos no comando da entidade da indústria.

Fernanda Brigatti/Folhapress

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